Sinopse: Histórias, curiosidades, pequenas biografias de diversos
bambas do samba e muitas ilustrações dão o tom cadenciado ao "Almanaque do Samba", do historiador e amante do ritmo André Diniz. Seguindo o sucesso do Almanaque do choro, o autor faz um rico passeio pela história do samba - das raízes mestiças, passando pela bossa nova e pelas canções dos festivais, até suas incursões pelo rock e pela música eletrônica.
Oincrível livro de
André Diniz é uma máquina do tempo que nos leva aos idos do século XX e nos
transporta década por década para contar os pontos centrais da história do
grande patrimônio cultural brasileiro: o samba.
Muita gente hoje em dia, mergulhados de corpo e alma na
cultura europeia e norte-americana, podem virar o nariz quando o assunto for
samba e carnaval. Muitos associam samba ao pagode paulista tocado nas emissoras
de rádio ou nos canais de televisão, e o carnaval ao carnaval baiano, dos trios
elétricos e abadás, e às escolas de samba do Rio de Janeiro e São Paulo. Talvez
isso não seja somente por juízo de valor e gosto pessoal por esse ou aquele
ritmo e gênero musical, mas também pela potencialização que a grande mídia dá
aos dois fenômenos em sua linha editorial e grade de programação.
Felizmente, ao contrário dos
que torcem o nariz, eu sou uma amante do samba e suas variações e do
carnaval carioca. Mesmo que eu não frequente as rodas, pagodes e quadras com
tanta frequência, não posso deixar de me deliciar e emocionar com as notas e
letras de uma canção, por exemplo, na voz da grande Beth Carvalho ou do inesquecível
Cartola. Sem falar das letras satirizadas com acontecimentos da vida e do
cotidiano na voz de Bezerra da Silva em “Malandro é Malandro, Mané é Mané” (E
malandro é malandro/ mané é mané/ podes crer que é) e tantas outras. Diversão
na certa! Enfim, vamos ao primoroso almanaque de Diniz.
Já ouvi pessoas questionando o por que de o samba ser o
gênero musical que nos identifica como país e povo. Isso gera boas discussões e
até brigas, quando batemos de frente com alguém mais exaltado, mas a resposta é
bem simples. Segundo Diniz, após alguns anos de rádio no Brasil, década de 1930
e 1940, as emissoras formulavam seu padrão de programação cultural a partir de
interesses da então capital federal, Rio de Janeiro. O samba já muito popular e
sediado na cidade maravilhosa ficou com o dever de propagar nossa cultura e
tradição pelo mundo afora.
Mas, o quê seria do samba sem os seus criadores e
compositores? Nessa relação entre criador e criatura está uma riquíssima fonte
cultural brasileiríssima. Diniz conseguiu reunir o melhor que poderia. Confesso
que muitos dos compositores de sambas famosos eram para mim desconhecidos, e os
“conhecidos de ouvir falar na TV” nunca tiveram muita importância até o momento
que li o Almanaque do Samba. Vou destacar alguns.
No capítulo I – No batuque da cozinha, página 38, o
compositor é José Barbosa da Silva, ou simplesmente Sinhô, que entrou para a
história do samba nas primeiras décadas do século XX. Uma composição famosa é
citada no livro, e tenho certeza que noveleiros de plantão conhecem como a
música de abertura da novela O Cravo e a Rosa, de Walcyr Carrasco, interpretada
na voz de Zeca Pagodinho:
“Jura, jura, jura
pelo Senhor
Jura pela imagem
da Santa Cruz do Redentor
pra ter valor a tua jura”
pelo Senhor
Jura pela imagem
da Santa Cruz do Redentor
pra ter valor a tua jura”
Sinhô, “Jura”.
No capítulo II – E Era da Voz, o autor fala sobre a
importância e a dimensão da radiodifusão para a época. Um aspecto relevante e
muito comum atualmente com a internet, diz respeito à ideia que muitos cantores
e compositores tinham que por meio da rádio poderiam divulgar o seu trabalho e
ascender socialmente. Lembrem-se, este é o Brasil de 1930-40, desigual e com
grandes disparidades sociais. Apesar de já se ter um mercado competitivo, esse
capítulo tratou da importância do rádio que a minha geração dos anos 1990 não
tem conhecimento. E sobre isso o autor deu continuidade no capítulo III – A Era
do rádio e dos compositores.
Nesse terceiro capítulo da incrível jornada, destaco uma
famosa frase polêmica do samba “Samba da Minha Terra” e o seu famoso autor:
“Quem não gosta do samba bom sujeito não é
Ou é ruim da cabeça ou doente do pé”
Ou é ruim da cabeça ou doente do pé”
Dorival Caymmi, “Samba da Minha Terra”.
Polêmicas à parte, quem não gosta de samba não o conhece de
verdade. Julga pela aparência, ou, como se trata de um livro, pela capa.
No mesmo capítulo, marquei o grande Adoniran Barbosa e o seu
“Trem das Onze”. Quem nunca escutou esse samba pelo menos uma vez na vida nas
vozes do grupo Demônios da Garoa?
“Não posso ficar nem mais um minuto com você
Sinto muito amor, mas não pode ser
Moro em Jaçanã,
Se eu perder esse trem
Que sai agora às onze horas
Só amanhã de manhã”
Sinto muito amor, mas não pode ser
Moro em Jaçanã,
Se eu perder esse trem
Que sai agora às onze horas
Só amanhã de manhã”
Adoniran
Barbosa, “Trem das Onze”.
O Samba das Escolas, capítulo quarto, foi com certeza minha
parte preferida. Acho que recomendaria o livro só por conter um pouquinho da
história das escolas de samba. Talvez seja relevante destacar o seguinte, e
desde já assumo a responsabilidade de estar equivocada: o samba pertence ao
carnaval, mas o carnaval não pertence exclusivamente ao samba. Na página 94,
Diniz comenta que o fato de hoje em dia se tocar ritmos distintos na época do
carnaval, tais como forró, frevo, axé-music, sertanejo universitário, funk
carioca, entre outros, remete aos tempos antigos do carnaval antes de 1930.
Acho interessante tratar desse ponto porque saudosistas e “ortodoxos”
consideram o carnaval dos dias atuais inferior à festa de 20, 30, 40 ou 50 anos
atrás. É bom ver essa pluralidade de ritmos e foliões pelo Brasil, curtindo o
seu ritmo favorito e sendo feliz, isso não significa, entretanto, que o samba e
o samba de raiz não esteja presente em blocos carnavalescos, escolas de samba,
rodas e outros espaços propícios para sua manifestação, não somente no
carnaval, mas em todos os meses e dias do ano.
Ainda nesse capítulo o autor traz a Estação Primeira de
Mangueira, minha escola do coração, a linda, querida, majestosa e vitoriosa
Verde-e-Rosa. Sou mangueirense, adotei essa escola em 2002, ano do último
título. Apaixonei-me por ela e seus grandes fundadores: Carlos Cachaça,
Cartola, Nelson Cavaquinho e Nelson Sargento, além do maior intérprete de
sambas-enredos do mundo: mestre Jamelão. Saudades.
Diniz trata também da grande e maior vitoriosa do carnaval
carioca, Portela, a Império Serrano e Acadêmicos do Salgueiro, a última com um
dos sambas-enredo mais famosos dos últimos anos, “Peguei um Ita no norte” (Explode
coração/ na maior felicidade/ é lindo o meu Salgueiro/ contagiando, sacudindo
essa cidade). E você aí pensando que não conhece nenhum samba-enredo...
Importante consideração no fim do capítulo sobre o carnaval
antigo vs carnaval do século XXI aborda a questão se a festa de atual perdeu
seu valor, como muitos afirmam. O autor trata da transformação do samba e do
carnaval como um todo. Cada um no seu tempo, no seu contexto histórico. Mais
midiático, mercantilizado, elitista em certos aspectos, um produto “para gringo
ver”, sim, talvez contenha tudo isso, mas o mais puro ainda lá vive. Talvez o
mais tradicional não tenha o espaço necessário para se manifestar. É preciso
que entendamos: nada disso acabou, apenas se transformou.
E falando em transformação, chegamos à Bossa Nova com o
grande Antônio Carlos Jobim, Tom Jobim e aquele o qual comemoramos o centenário
sábado passado, 19 de outubro de 2013, Vinicius de Moraes. Juntos esses dois
compuseram a famosíssima Garota de Ipanema e entraram para a história da Música
Popular Brasileira – MPB. Nesse ínterim Diniz também aborda o impacto da
instauração do Golpe Militar em 1964 e como o samba foi utilizado como
resistência ao regime ditatorial. É importante dizer que o autor contextualiza
o tempo todo compositores e cantores no seu tempo histórico. Para quem não gosta
de história, está aí uma oportunidade de conhecer o samba e ainda ter uma boa
aula. Tudo o que citei encontra-se no capítulo cinco – Samba-Canção, Bossa Nova
e Zicartola.
Na sexta parte, O Samba dos Festivais, coloca-nos, os jovens
dos anos 1980 e 1990, na Era da Televisão. O próprio Diniz avisa que a difusão
que o rádio até então tinha, é multiplicada muitas vezes com a chegada da
televisão. Sem dúvida foi um dos capítulos que mais me identifiquei, uma vez
que cita personagens presentes até os dias atuais na mídia, alguns com menos ou
mais espaço, como exemplo: Gilberto Gil, Caetano Veloso, o grande Chico
Buarque, Gonzaguinha, Elis Regina, Clara Nunes e Beth Carvalho. Vozes que
imortalizaram canções, apesar de alguns já terem partido.
Em Na Batida do Pagode, sétimo capítulo, encontrei grandes
surpresas. Por se tratar de um período de redemocratização do país, pensava eu
já conhecer muita coisa. Mas não. Gostaria de destacar tudo, todos os pontos, e
sendo tal feito cansativo e desnecessário, apresento o ponto que mais me chamou
a atenção: uma nota sobre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST,
na página 208. Em 1997 juntou-se o fotógrafo Sebastião Salgado, o escritor
português (e meu adorado autor favorito) José Saramago e Chico Buarque, e
lançaram respectivamente o livro Terra e a canção Assentamento. Obra-prima é a
música. Infelizmente não conheço o livro.
E como nomes de famosos nesse capítulo temos Zeca Pagodinho,
Arlindo Cruz, Leci Brandão, Jovelina Pérola Negra e Jorge Aragão. Só a título
de curiosidade: o famoso jingle (Lá vou eu/ lá vou eu/ hoje a festa é na avenida/
[...] Vem pra ser feliz) foi composto por Jorge Aragão. Globeleza!
No oitavo e último capítulo, “Raiz, antena e um dedo de
prosa com os persistentes”, o autor faz uma síntese conclusiva de como o samba,
um termo amplo, é apresentado atualmente e como continua em constante processo
de transformação. Além disso, cita o diálogo com outros ritmos, tais como o
rock e o funk carioca, e que dessa mistura só quem ganha é a própria música
brasileira e aqueles que se emocionam e cantam a plenos pulmões os clássicos e
os novos sambas. O samba vive!
De presente ainda Diniz nos dá um catálogo sobre os
principais instrumentos do samba, os que foram introduzidos e especificamente
inventados, uma deliciosa lista alfabética com o melhor do samba e suas obras,
feita por Flavio Torres na parte “O que ouvir?”; um roteiro com endereços de
todo o Brasil de “Onde ouvir o samba?” – e que pode estar desatualizado –; “O
que ler?”, na qual trouxe a importância da universidade e o investimento da
pesquisa e produções acadêmicas; “O que ver?”, com o melhor do cinema
brasileiro sobre o samba e suas personalidades e o Guia dos blocos do carnaval
carioca, contando sobre o surgimento e os dias de saída. Tem também uma “Pequena
cronologia do samba” desde 1840 até 2003, essa que a meu ver já está pronta
para receber uma atualização para o decênio que se passou de 2003 a 2013. Muita
coisa mudou e se transformou.
Enfim, o livro é maravilhoso. Recheado de fotos,
curiosidades, fatos históricos do Brasil e do mundo e de personalidades
inesquecíveis da música popular brasileira. Vale muito a pena conferir! Trata-se
uma pesquisa extremamente bem feita, competente e com respeito ao mundo do
samba e ao leitor, já amante ou um mero curioso.
Recomendo ;)
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