Sinopse: O livro é a narrativa da vida de uma família de trabalhadores rurais (os Mau-Tempo) da região do Alentejo, no sul de Portugal. Trata-se de uma denúncia da exploração, do desemprego e da miséria e, ao mesmo tempo, da tomada de consciência política por parte do trabalhador rural - o aprendizado da luta pelo direito ao trabalho, pelas oito horas de jornada e pela posse útil da terra.
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evantado do Chão (366 páginas), de José Saramago, trouxe mais uma vez um romance recheado de críticas ao perverso sistema capitalista, contando a saga da família Mau-Tempo entre o final do século XIX e XX.
Entre os Mau-Tempo e sua história de vida, está o latifúndio,
a terra concentrada em poucas mãos, denominada propriedade privada, e tão
finita quanto homens e mulheres o são, que ganha valor por não poder ser produzida
pela força de trabalho.
No início temos Domingos Mau-Tempo e sua esposa Sara da
Conceição migrando de lugar em lugar, pois nada é seu e tudo é do patrão. Desse
casamento nasceu João Mau-Tempo, que do pai herdou apenas os olhos azuis.
Domingos era um bêbado e cometia violência doméstica contra a esposa. Não durou
muito nem o suficiente. Para João, a luta iniciou logo quando perdeu o pai.
Ele, sua mãe e mais dois irmãos continuaram a sina de sua existência: servir ao
latifúndio como se serve a Deus, dia após dia, todos os dias de minha vida.
Amém.
O latifúndio não espera, não compreende, não se rende e não
ajuda a viver mais e melhor. Assim aprendeu João mais tarde, já casado e com
filhos, que a serventia sempre fiel ao chão, à enxada e à foice não lhe traria
nada mais do que o pouco que sempre tivera. Conheceu nessa jornada alguns
camaradas com ideias diferentes, ideias subversivas. Poucos deles sabiam sobre
ler, escrever e contar, sequer fazer uma análise crítica a respeito da inserção
do capitalismo no campo, mas ao mesmo tempo sabiam o quão injusto era trabalhar
de sol a sol e ganhar um salário de misérias. De misérias já tinham passado
eles e seus ancestrais.
João e seus amigos iniciam, então, um processo de tomada de
consciência tortuoso. Discussões, debates, tentativas de negociação com o
patrão, repressão da polícia, prisão uma, duas vezes. A greve, uma boa
tentativa para garantir o melhor para tantos camponeses, e como resposta a violência da polícia. Taxaram esses pobres homens e mulheres de
comunistas. E não eram, se querem saber. Apenas lutavam pelo justo, seja pelas
oito horas diária de trabalho, folga aos domingos e um salário digno. O direito
de não trabalhar no primeiro dia do mês de Maio, Dia Internacional dos
Trabalhadores.
Mas o latifúndio tem por trás bons companheiros e
protetores. Por anos utilizaram o direito de não poder haver greves e de taxar
os grevistas de comunistas. A igreja, com seu discurso e toda a ética cristã,
tentava fazer a sua parte de controlar e deixar temerosos seus fiéis ignorantes,
porém sabemos que não é possível servir a dois deuses ao mesmo tempo.
O Estado, já desgastado de tanta ditadura, tentava manter-se
e manter o latifúndio, os senhores da terra e a boa renda que há anos
transforma trigo em dinheiro. E mesmo assim não teve jeito. O processo de
tomada de consciência não retrocede, mesmo que tema o medo e o cassetete no
lombo. E João, sua família e amigos não retrocederam, pois não queriam nada de
mais: apenas terra para o trabalho, jornada de oito horas, salário justo e uma
vida digna. E se isso lhes negaram, deve-se avançar mais e mais, organizar,
unir, ocupar, resistir, plantar, colher, viver se ao chão for novamente,
levantar e reiniciar a luta.
Ler Levantado do Chão é poder associá-lo diretamente ao
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST e sua luta pela reforma
agrária e transformação social. O Brasil, que um dia foi colônia de Portugal,
mantém viva a herança do latifúndio e os problemas que se derivam dele. Hoje o
agronegócio dita às regras da economia brasileira. A industrialização do campo desemprega,
e às exigências de exportação às produções são direcionadas. O gado pastoreia em
terras pouco utilizadas enquanto milhares e milhões padecem com as mesmas
misérias escritas por Saramago.
O livro é excelente. Bem escrito, bem pensado, bem
pesquisado, instigante e incômodo, ao mesmo tempo em que é encorajador. Não me
parece ser um livro conhecido de Saramago. Uma pena, pois quem realmente gosta
de seus romances certamente sentiria semelhante sentimento por Levantado do
Chão. Sorte minha que o encontrei em um sebo. Sorte minha tê-lo lido. Vale a
pena!
E, se ao latifúndio, templo sagrado, não se toca enquanto o
povo padece a sua volta, que as cercas então rompidas sejam pela enxada e pela
foice. Que as lonas sejam erguidas e a bandeira vermelha e colorida seja
hasteada. Pátria Livre! Venceremos!
Deixo a letra da música Descobrimos Lá na Base, de autoria de Zé Pinto e contida no CD Pra Soletrar a Liberdade, do MST, que
casou muito bem com tudo que está escrito no livro. Para ouvir a canção clique
no título da música.
Descobrimos lá na base • que a tal da Reforma
Agrária do papel não vai sair • Pelo pedaço de chão pra colher o nosso pão •
vamos ter que nos unir • Companheiro e companheira • Vitória vai ser ligeira se
todos se organizarem • A gente faz acampamento, tira pão para o sustento • e
Reforma Agrária é pra já.
E
vamos entrar naquela terra e não vamos sair • Nosso lema é ocupar, resistir e
produzir.
A
gente faz caravana • Arrisca entrar em cana, mas tem que ser por aí •
Sindicatos combativos • isto tudo é preciso • para a luta prosseguir • A classe
trabalhadora • que é a mais sofredora • já começa a perceber • que nós somos
maioria e que vai chegar o dia • com um novo amanhecer.
Pelo
fim do latifúndio • Chega João, chega Raimundo • Isso vai ter que mudar • Nessa
América Latina • Será que a nossa sina • vai ser sofrer sem parar • Mas eu
nisso não acredito • Por isso eu tenho dito • Vamos todos dar as mãos • É a
força popular levantando essa bandeira • Reforma Agrária é no chão.
Se
for dura essa parada • a gente pega na marra • não dá pra ser diferente • Pois
os homens têm dinheiro • compram armas no estrangeiro • pra poder matar a gente
• Contra esse capitalismo • vamos firmes, decididos • não deixar pra outra hora
• É a classe organizada passo a passo nesta estrada • construindo a sua
história.
Recomendo o livro, a música, o CD e a você a aderir a luta
do MST ;)
Nunca li nada do José Saramago,acho que esta na hora de começar a ler e vou começar por esse titulo.
ResponderExcluirÓtimo texto :)
Beijocas,
imemoriavel.blogspot.com.br