domingo, 13 de outubro de 2013

Levantado do Chão, José Saramago

Sinopse: O livro é a narrativa da vida de uma família de trabalhadores rurais (os Mau-Tempo) da região do Alentejo, no sul de Portugal. Trata-se de uma denúncia da exploração, do desemprego e da miséria e, ao mesmo tempo, da tomada de consciência política por parte do trabalhador rural - o aprendizado da luta pelo direito ao trabalho, pelas oito horas de jornada e pela posse útil da terra.

L


evantado do Chão (366 páginas), de José Saramago, trouxe mais uma vez um romance recheado de críticas ao perverso sistema capitalista, contando a saga da família Mau-Tempo entre o final do século XIX e XX.

Entre os Mau-Tempo e sua história de vida, está o latifúndio, a terra concentrada em poucas mãos, denominada propriedade privada, e tão finita quanto homens e mulheres o são, que ganha valor por não poder ser produzida pela força de trabalho.

No início temos Domingos Mau-Tempo e sua esposa Sara da Conceição migrando de lugar em lugar, pois nada é seu e tudo é do patrão. Desse casamento nasceu João Mau-Tempo, que do pai herdou apenas os olhos azuis. Domingos era um bêbado e cometia violência doméstica contra a esposa. Não durou muito nem o suficiente. Para João, a luta iniciou logo quando perdeu o pai. Ele, sua mãe e mais dois irmãos continuaram a sina de sua existência: servir ao latifúndio como se serve a Deus, dia após dia, todos os dias de minha vida. Amém.

O latifúndio não espera, não compreende, não se rende e não ajuda a viver mais e melhor. Assim aprendeu João mais tarde, já casado e com filhos, que a serventia sempre fiel ao chão, à enxada e à foice não lhe traria nada mais do que o pouco que sempre tivera. Conheceu nessa jornada alguns camaradas com ideias diferentes, ideias subversivas. Poucos deles sabiam sobre ler, escrever e contar, sequer fazer uma análise crítica a respeito da inserção do capitalismo no campo, mas ao mesmo tempo sabiam o quão injusto era trabalhar de sol a sol e ganhar um salário de misérias. De misérias já tinham passado eles e seus ancestrais.

João e seus amigos iniciam, então, um processo de tomada de consciência tortuoso. Discussões, debates, tentativas de negociação com o patrão, repressão da polícia, prisão uma, duas vezes. A greve, uma boa tentativa para garantir o melhor para tantos camponeses, e como resposta a violência da polícia. Taxaram esses pobres homens e mulheres de comunistas. E não eram, se querem saber. Apenas lutavam pelo justo, seja pelas oito horas diária de trabalho, folga aos domingos e um salário digno. O direito de não trabalhar no primeiro dia do mês de Maio, Dia Internacional dos Trabalhadores.

Mas o latifúndio tem por trás bons companheiros e protetores. Por anos utilizaram o direito de não poder haver greves e de taxar os grevistas de comunistas. A igreja, com seu discurso e toda a ética cristã, tentava fazer a sua parte de controlar e deixar temerosos seus fiéis ignorantes, porém sabemos que não é possível servir a dois deuses ao mesmo tempo.

O Estado, já desgastado de tanta ditadura, tentava manter-se e manter o latifúndio, os senhores da terra e a boa renda que há anos transforma trigo em dinheiro. E mesmo assim não teve jeito. O processo de tomada de consciência não retrocede, mesmo que tema o medo e o cassetete no lombo. E João, sua família e amigos não retrocederam, pois não queriam nada de mais: apenas terra para o trabalho, jornada de oito horas, salário justo e uma vida digna. E se isso lhes negaram, deve-se avançar mais e mais, organizar, unir, ocupar, resistir, plantar, colher, viver se ao chão for novamente, levantar e reiniciar a luta.

Ler Levantado do Chão é poder associá-lo diretamente ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST e sua luta pela reforma agrária e transformação social. O Brasil, que um dia foi colônia de Portugal, mantém viva a herança do latifúndio e os problemas que se derivam dele. Hoje o agronegócio dita às regras da economia brasileira. A industrialização do campo desemprega, e às exigências de exportação às produções são direcionadas. O gado pastoreia em terras pouco utilizadas enquanto milhares e milhões padecem com as mesmas misérias escritas por Saramago.

O livro é excelente. Bem escrito, bem pensado, bem pesquisado, instigante e incômodo, ao mesmo tempo em que é encorajador. Não me parece ser um livro conhecido de Saramago. Uma pena, pois quem realmente gosta de seus romances certamente sentiria semelhante sentimento por Levantado do Chão. Sorte minha que o encontrei em um sebo. Sorte minha tê-lo lido. Vale a pena!

E, se ao latifúndio, templo sagrado, não se toca enquanto o povo padece a sua volta, que as cercas então rompidas sejam pela enxada e pela foice. Que as lonas sejam erguidas e a bandeira vermelha e colorida seja hasteada. Pátria Livre! Venceremos!

Deixo a letra da música Descobrimos Lá na Base, de autoria de Zé Pinto e contida no CD Pra Soletrar a Liberdade, do MST, que casou muito bem com tudo que está escrito no livro. Para ouvir a canção clique no título da música.

Descobrimos lá na base • que a tal da Reforma Agrária do papel não vai sair • Pelo pedaço de chão pra colher o nosso pão • vamos ter que nos unir • Companheiro e companheira • Vitória vai ser ligeira se todos se organizarem • A gente faz acampamento, tira pão para o sustento • e Reforma Agrária é pra já.

E vamos entrar naquela terra e não vamos sair • Nosso lema é ocupar, resistir e produzir.

A gente faz caravana • Arrisca entrar em cana, mas tem que ser por aí • Sindicatos combativos • isto tudo é preciso • para a luta prosseguir • A classe trabalhadora • que é a mais sofredora • já começa a perceber • que nós somos maioria e que vai chegar o dia • com um novo amanhecer.

Pelo fim do latifúndio • Chega João, chega Raimundo • Isso vai ter que mudar • Nessa América Latina • Será que a nossa sina • vai ser sofrer sem parar • Mas eu nisso não acredito • Por isso eu tenho dito • Vamos todos dar as mãos • É a força popular levantando essa bandeira • Reforma Agrária é no chão.

Se for dura essa parada • a gente pega na marra • não dá pra ser diferente • Pois os homens têm dinheiro • compram armas no estrangeiro • pra poder matar a gente • Contra esse capitalismo • vamos firmes, decididos • não deixar pra outra hora • É a classe organizada passo a passo nesta estrada • construindo a sua história.


Recomendo o livro, a música, o CD e a você a aderir a luta do MST ;)

Um comentário:

  1. Nunca li nada do José Saramago,acho que esta na hora de começar a ler e vou começar por esse titulo.
    Ótimo texto :)
    Beijocas,
    imemoriavel.blogspot.com.br

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